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sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

O Dream Team do Jazz e seu Jogo Inesquecível


Há 50 anos, Miles Davis e uma turma fantástica lançavam “Kind of Blue”, alvo de reedição comemorativa que reafirma a obra como “o suprassumo do cool”
Por José Alberto Bombig
Se fosse uma banda de rock, a formação seria algo na linha Mick Jagger nos vocais, Jimi Hendrix e Eric Clapton nas guitarras, Neil Peart (Rush) na bateria, Ray Manzarek (The Doors) nos teclados e Sting no contrabaixo. Eles tocariam baladas da dupla Lennon/McCartney.
Mas é jazz, então temos John Coltrane e Julian "Cannonball" Adderley nos saxofones, Wynton Kelly e Bill Evans encarregados do piano, Paul Chambers no contrabaixo, Jimmy Cobb na bateria e Miles Davis no trompete. Eles tocam composições de Davis. Para além do atemporal mundo das listas, a reunião desses "gigantes" aconteceu durante duas sessões no 30th Street Studio, em Nova York, e o resultado chama-se Kind of Blue, disco que neste ano completa 50 anos e ganha relançamento luxuoso em caixa com dois CDs (um só de raridades e takes inéditos), um DVD com registros da época e um libreto de 60 páginas. A versão americana da caixa ainda traz o álbum em vinil de 180 gramas.
Praticamente sem ensaios, eles gravaram cinco temas, embalados em melodias que colam no ouvido como algodão-doce no céu da boca. Miles Davis, morto em 1991, era o mentor do sexteto — Kelly substitui Evans só em uma faixa daquele que para muitos críticos é o melhor disco da carreira do trompetista, iniciada nos anos 40 e marcada por mutações. Quem se impressiona com conceitos deve saber que a obra funda o jazz modal: a harmonia musical feita sem a progressão dos acompanhamentos, o que permite ao músico mais liberdade para a melodia. O estilo está para o frenético bepop de "Bird" Parker e Dizzy Gillespie como a geração de 45 para a literatura modernista brasileira: rigor e lirismo em contraposição à liberdade extrema e à irreverência que resvala no cômico. Em termos amplos, Kind of Blue é o suprassumo do cool — as fotos de um elegante Miles de olhos cabisbaixos são a antítese das bochechas infladas e das boinas de Dizzy.
Conceitos à parte, ele traz música boa e bem executada. So What, a mais famosa, por conta da sequência inicial, abre o trabalho. Freddie Freeloader e All Blues seguem a toada, solos perfeitos sobre escassas harmonias e frases líricas. Mas são Blue in Green e Flamenco Sketches que conferem ao disco aquilo que toda produção precisa para ser chamada de arte: a boa dose de melancolia e meditação; no caso, o "blue" do título e dos olhos de Miles. Sobre ambas paira a polêmica de que o egocêntrico trompetista teria omitido Evans da autoria (seriam o Lennon/McCartney do jazz).
O crime, se houve, está prescrito. Além do mais, depois de Kind of Blue, Miles Davis ganhou o salvo-conduto dado aos deuses do jazz.
José Alberto Bombig é jornalista da Folha de S.Paulo
Fonte: Revista Bravo - Fev/09

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